Um olhar nobiliário
O retrato executado pelo artista Jonathan Yeo, o primeiro desde a coroação do rei, além de gerar controvérsia com relação à impressão que causa nas pessoas, ainda alimenta uma série de teorias de fundo escatológico e ritual que não serão abordadas neste texto.
Acompanhamos esta semana, o rei Charles revelando seu próprio retrato no Palácio de Buckingham, em Londres: Charles III puxa o pano preto que cobre a obra e ele cai no chão. O rei olha para a pintura e parece assustar-se.
Retratos oficiais visam dignificar a figura retratada e eternizar tanta figura do retratado, como uma Instituição, no caso, o Monarca. Costumam ser sóbrios e de certa forma previsíveis, porém faz parte da própria ideia de “retrato oficial”, são uma manifestação do status do retratado, em alguns casos patrimônio público, visam adornar palácios e outras repartições públicas. Representam símbolos da função exercida e identificadores de linhagem, com apresentação dignificante.
Este é o problema do retrato de Charles III, não o distingue de maneira positiva, mas ao contrário ridiculariza e assusta, até mesmo atemoriza o observador.
Trata-se de uma tela gigantesca na qual o rei está em pé, com seu uniforme da Guarda Galesa borrado pelo fundo vermelho, com as mãos no punho da espada, um meio sorriso no rosto, com uma borboleta pairando apenas por cima do ombro direito. Todo o seu corpo está banhado em um mar vermelho, então seu rosto parece estar flutuando.
Yeo disse à BBC, que a Borboleta em seu ombro representa a metamorfose de Charles de príncipe a soberano e seu amor de longa data pelo meio ambiente.
Por outro lado, a cor utilizada em profusão na obra suscitou a maior reação em comentários nas redes:
“Para mim, isso passa a mensagem de que a monarquia está em chamas ou que o rei está queimando no inferno”,
“Parece que ele está se banhando em sangue”.
“Não tenho uma boa sensação ao ver esse retrato. Peço desculpas ao artista, mas não é agradável de se olhar”.
Yeo disse que seu objetivo era produzir um retrato real mais moderno, refletindo o desejo de Charles de ser um monarca atual.
Bem, nada mais antiquado do que querer parecer moderno. Porém esta fala esconde outras camadas. Na opinião de uma fonte (um retratista realista), ouvido pelo Tribuna de Santa Cruz:
“Acho que são vários pontos a destacar: um deles parece ser de um artista que vive numa Europa cansada de si mesma, exaurida pela tradição (que, se pensarmos bem, é o que a mantém de pé até hoje). Justamente pela estabilidade a forma de governo, aqui no caso específico, da Inglaterra. Segundo ponto: esse artista com certeza tem (porque é fácil detectar na sua proposta do seu quadro) um viés progressista, passando uma mensagem de desconstrução. Ele fez a forma, construiu a imagem e depois iniciou o processo de desconstrução e a abolição da forma. Isso prima muito pensamento marxista de demolir; de “o que existe, preferencialmente deve ser substituído por algo que, muitas vezes, não sabe o quê”. Salta aos olhos a necessidade, também, de romper com o clássico e se afastar da beleza a tradição. É uma necessidade, portanto, eu vejo nesse retrato do rei uma mensagem explícita de “não à tradição”, “não à beleza”, “não à estabilidade” de um processo de dura séculos. E sim, ele está dizendo de uma forma explícita: o rompimento, o corte e sabemos, pela experiência, às vezes, não diretamente, mas através da história, que a ruptura normalmente leva à desgraça, ao derramamento de sangue, à tragédia e aos dissabores que muitas vezes são incontornáveis e incorrigiveis.”
Alguns disseram que a cor vermelha foi acertada porque foi usado ao longo da história para representar o luxo, a nobreza e a superioridade.
Tanto é assim que Carlos Magno determinou que seu palácio fosse pintado de vermelho, que os mantos da nobreza retratados na Idade Média eram vermelhos e os reis e cardeais da Igreja Católica Romana vestem vermelho-púrpura.
O vermelho-púrpura, especificamente, era um corante caro, obtido a partir de inseto, a cochonilha, o que demandava muito tempo e trabalho, o que fez que a cor vermelha se tornasse um objeto de cobiça e símbolo do luxo.
Por muito tempo, em muitos lugares, a cor vermelha era reservada exclusivamente para a nobreza.
O retrato
Uma tela gigantesca (7,5 pés por 5,5 pés), o retrato mostra o rei em pé em seu uniforme da Guarda Galesa, com as mãos no punho da espada, um meio sorriso no rosto, com uma borboleta pairando apenas por cima do ombro direito. O rei está imerso na cor vermelha.
Yeo afirmou à BBC que a borboleta no ombro do rei representa a metamorfose de Charles, de príncipe a soberano e seu ativismo em prol do meio ambiente. Quanto ao “mar vermelho” que envolve o rei:
“Para mim, isso passa a mensagem de que a monarquia está em chamas ou que o rei está queimando no inferno”, escreveu um comentarista na postagem da família real no Instagram quando o retrato foi revelado.
“Parece que ele está se banhando em sangue”, escreveu outro.
“Nunca vi nada mais feio”
“Representação de todo o sangue derramando na construção de um império.”
E assim por diante.
O pintor
Aparentemente, Yeo é um pintor de celebridades, bem sucedido e pai de família. Não encontramos nenhum posicionamento político claro porém supõe-se progressista pelo meio e pelas figuras retratadas em sua arte. Há fama reconhecida em debochar de figuras políticas, atuando em geral como uma figura irreverente:
“Alguns comentaristas sugeriram que, ao fazer retratos e outros trabalhos que zombam dos políticos e celebridades que retratam, corre o risco de alienar as mesmas pessoas que costumava pintar com muito sucesso. O diretor do NPG, Sandy Nairne, foi relatado como preocupado com o fato de Yeo levar longe demais o tema da colagem pornográfica, dizendo que ‘a colagem de Bush foi uma resposta. E havia uma certa lógica nessa resposta. O que é mais intrigante é o que acontece depois disso. Como diz trecho de seu perfil na Wikipedia
Apesar disto o artista fala com simpatia do rei Charles e o retrato aparentemente foi concebido com uma ideia de modernidade. Uma representação da monarquia, porém contemporânea:
— Você vê mudanças físicas nas pessoas, dependendo de como as coisas estão — diz Yeo em seu estúdio. — A idade e a experiência combinavam com ele. Sua postura definitivamente mudou depois que ele se tornou rei.
O retrato foi encomendado pela Worshipful Company of Drapers, que se apresenta como uma guilda medieval de comerciantes de lã e tecidos que hoje é uma instituição filantrópica.
O retrato do rei Charles ficará pendurado no Drapers’ Hall, a sede do grupo no distrito financeiro de Londres,onde há uma galeria de monarcas, do Rei George III à Rainha Vitória.
O retrato do rei Charles III de Yeo sem dúvida ficará diferenciado nesta galeria.
Yeo em outras ocasiões retratou a rainha Camilla, que ele descreve como “adorável” e o pai do rei, o príncipe Philip, que considerou uma pessoa de difícil trato.
— Ele agia como um tigre enjaulado. Não consigo imaginar que ele fosse fácil como pai, mas foi um personagem divertido.
Yeo retratou ainda em outras oportunidades os primeiros-ministros (Tony Blair e David Cameron), bem como atores (Dennis Hopper e Nicole Kidman), artistas (Damien Hirst), magnatas (Rupert Murdoch) e ativistas (Malala Yousufzai ).
Especialistas relatam que Yeo ” trouxe o retrato de volta” ” conforme explica Nick Jones, fundador da Soho House, uma rede de clubes privados para a qual Yeo fez pinturas dele e de outros artistas ” — Retratos sempre foram muito severos. Ele conseguiu adicionar camadas e realçar a personalidade das pessoas.”
Referências: BBC, Wikipedia e The New York Times